terça-feira, 11 de março de 2014

"Estamos a seguir pelo caminho errado"

Comandante Prata

Comandante José Luís Prata, um dos pilotos mais experimentados do país, defende que o Executivo deve apostar na formação superior em ciências aeronáuticas, caso o contrário o país ficará estagnado neste domínio, embora tenha uma frota de top de gama.

Para exemplificar as vantagens que o Estado pode obter em apostar neste segmento, contou o caso de um dos seus filhos que só conseguiu entrar para este mundo depois de ter permanecido sete anos numa academia e actualmente pilota com mestria o Boeing 777.

“Contam-se pelos dedos os quadros nacionais que o país possui com formação similar à dele. A formação que estamos a ministrar hoje é a mesma que se fazia nos anos 50 ou 60 e não pode ser”, frisou.

Para além das habilitações literárias e dos exames médicos rigorosos a que a direcção de todas as escolas foram unanimes em afirmar que exigem dos candidatos, José Prata considera ser de suma importância a realização de testes psicotécnicos.

“Primeiramente é necessário que os indivíduos tenham em mente que o piloto é um cidadão normal e com jeito para tal, mas é necessário que os candidatos a esta profissão sejam submetidos a um teste psicotécnico de maneira a se apurar que tem aptidão para a exercer visto que podem não as ter”, defendeu.

Considerou que a evolução que o país registou nos últimos anos em termos de tecnologia aeronáutica, passando a ter aviões de top de gama como os B777 e B737-700 (da TAAG) e os Airbus (da Sonair) devia ser acompanhado com o tipo de formação que é ministrada internamente.

Segundo ele, os cursos de pilotos comerciais que são ministrados nas escolas existentes no país não habilitam os formandos a dirigirem as aeronaves acima mencionadas. O que demonstra ser uma negação completa da realidade e dos interesses do próprio país.

“Neste momento, tanto as escolas privadas como a Força Aérea Nacional, a Marinha de Guerra, a Polícia Nacional, a TAAG e a Sonair formam pilotos. Mas estes quadros não têm a proficiência técnico-profissional para tripularem aviões com a capacidade destas aeronaves”, defendeu.

Sugeriu que o Executivo recrute anualmente 100 indivíduos com idades compreendidas entre os 18 e 20 anos, com a 12 classe, e os envie a uma academia para que sejam devidamente formados nas mais diversas áreas da aviação. Assim que concluírem, podem ser distribuídos da seguinte maneira: 40 por cento fica na Força Aérea Nacional (por será partir dela que serão recrutados para fazerem o serviço militar obrigatório), 20 por cento na Marinha de Guerra, 20 por cento na Policia, 10 por cento na TAAG e igual percentagem na Sonair.

No seu entender, caso implementem a sua proposta, durante um certo período, dentro de cinco ou seis anos o país estará a receber o primeiro grupo de indivíduos formados em gestão aeronáutica, manutenção aeronáutica, infra-estruturas aeronáuticas, entre outros.

A sua proposta tem como base a falta de controlo que diz existir sob a formação que é feita em Angola comparativamente àquela que é ministrada no exterior, tanto em termos de qualidade como de preços. Citou o exemplo de alguns países onde só a formação teórica de pilotos chega a custar no mínimo 80 mil euros.

Revelou ainda que neste momento há pessoas que com sete ou oito mil dólares conseguem fazer um curso em Angola, na África do Sul ou no Brasil e quando regressam ao país apresentam-se como sendo pilotos de B777.

“Isto é uma negação completa e um dia vamos ter problemas. Isto não pode ser de maneira nenhuma. Não posso aceitar isso porque se torneime piloto com uma formação anacrónica (tendo passado pela área de manutenção durante vários anos e evoluído tecnicamente até onde cheguei), actualmente a formação não pode ser inferior a que eu fiz nos anos 70”.

Por outro lado, realçou que os centros de formação básica têm que existir porque o país não deve ter só técnicos superiores de aeronáutica.

Quanto mais quadros com formação superior existirem, melhor será gerida a aviação, a condução dos destinos deste sector e as pessoas terão garantida a segurança em primeiro lugar.

“Sei que muita gente não vai gostar do que estou a dizer, mas esta é a realidade nua e crua do nosso sector aeronáutico. Estamos numa fase em que tem de haver pilotos com formação superior, não vale a pena inventarmos nada, porque estamos a seguir por um caminho completamente errado”, desabafou.

O nosso interlocutor é da opinião que os técnicos formados nestas escolas estarão apenas em condições de pilotarem táxi aéreo, em aéreo clubes e aviões particulares, mas não os aviões de topo de gama que a TAAG e algumas companhias têm na sua frota.

Na esperança de dar o seu contributo para tentar reverter este quadro, José Prata disse que apresentou a sua proposta, há alguns anos, ao antigo ministro da defesa, Kundi Paihama, (actual ministro dos Antigos Combatentes e Veteranos da Pátria) e então presidente do Conselho de Administração da Sonangol, mas não foi levado em conta.

No seu entender, o país tem dinheiro e pessoas com conhecimentos e capacidade intelectual para fazerem este tipo de formação. “O piloto é alguém que conduz uma máquina voadora que mata, não só os que estão dentro dela como os que estão em terra, quando cai. Então é preciso que se reveja esta situação, pois que, enquanto não acontecer nada de mal, está tudo bem e vamos continuar assim. Precisamos de uma formação séria e responsável”.

O director de Segurança Operacional do INAVIC, Francisco Mateus, comprometeu-se a conceder uma entrevista a O PAÍS para abordar sobre este assunto na próxima semana.


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