O chefe Carlos Robalo, hoje no Hotel Santiago de Alfama, antigamente responsável numa empresa de catering para a aviação, garante que "nunca esteve num local onde existissem tantas regras e um controlo tão rigoroso de higiene e qualidade". Fala nas gramagens exactas, em calibragens e outros requisitos sem os quais a comida não fica pronta para seguir viagem. Carlos Robalo recorda que os menus são decididos pelas companhias, que têm habitualmente um chefe responsável. No caso da TAPo consultor é o chefe Vítor Sobral. A empresa é a Cateringpor.
Para uma primeira ideia de escala: a empresa que trabalha para a TAP faz entre 40 e 50 mil refeições por dia nos 365 dias por ano, 24 horas por dia. E isso – confecção e produção – representa apenas 30%. O resto é a logística com todo o material que está nos aviões, das almofadas e das mantas às vendas a bordo ou às caixas de primeiros socorros.
Desta vez ficámo-nos pelos alimentos. A Cateringpor funciona junto do aeroporto de Lisboa num edifício com vários andares, que se assemelha, de certa forma, às caves dos grandes hotéis. Só que com mais e maiores cozinhas, arcas frigoríficas, armazéns, copas, zonas de esterilização, linhas de montagem, salas climatizadas e outros espaços que num só dia seria difícil percorrer.
As matérias-primas chegam em camiões que descarregam directamente no edifício. Conforme os produtos, seguem para as câmaras frigoríficas, os armazéns, as arcas congeladoras ou espaços diferenciados. Por exemplo, os vegetais são retirados dos sacos onde vêm e ensacados em plásticos da empresa, previamente preparados.
Os que são cozinhados seguem para as cozinhas, os quentes e os frios acabam por ir parar aos tabuleiros, que ficam empilhados em tróleis antes de serem selados, tal como os camiões que os transportam até aos aviões.
António Viegas, da área comercial, lembra que há cuidados a ter "que nem todos conhecem", por exemplo com o vinho, que em altitude "ganha acidez e álcool". "Cada copo em terra equivale a três no ar."
Rolo de ovos Numa das salas, António Viegas mostra como são os ovos que se comem a bordo. Imagine-se um ovo mas em forma de rolo com 10 centímetros de diâmetro e 40 de comprimento, com a gema no interior. Viegas explica que "os ovos têm de ser pasteurizados e não frescos", e que aquele formato foi criado por uma empresa holandesa. Depois é só cortá-los em fatias.
Helena Silva, supervisora de controlo de segurança alimentar, explica que durante o processo há inúmeros testes químicos e de temperatura, não só à comida como a todo o material utilizado. Recentemente, mais uma norma europeia impôs que todos os componentes alérgenos fossem identificados. Mais um controlo a observar.
Outro cuidado a ter com os alimentos que vão, por exemplo, ensacados: é necessário perceber se quando são abertos reflectem alguma reacção à altitude. Há estudos prévios, mas em alguns casos, quando há alterações nos alimentos ou na forma de os apresentar, fazem experiências durante os voos.
Uma das principais preocupações com os alimentos servidos, quentes e frios, são as temperaturas. Ou seja, a forma de os conservar, normalmente a frio, antes de seguirem para as aeronaves, e a maneira de os aquecer a bordo. Um processo que pode alterar o sabor dos alimentos.
Nos diferentes pisos e salas há quem circule mais ou menos depressa, mas todos parecem saber o que fazer. Em quase todos os locais, os trabalhadores, 850 no total, são obrigados a usar toucas, batas, luvas e calçado descartável.
Nacional A portuguesa Cateringpor é detida pela TAP(51%) e pela LSJ Sky Chefs (49%), propriedade da Lufthansa. Além da TAP e da SATA, a empresa trabalha para a Lufthansa, a British Airways, a TAAG Linhas Aéreas de Angola, a Air France, Sata, a US Airways e a Emirates, entre outras companhias aéreas.
Dos produtores aos clientes, os padrões de segurança e qualidade ditam uma série infinita de regras, exigências e certificações que não passam pela cabeça de quem espera pelo avião no terminal, nem mesmo se o passageiro em questão trabalhar na restauração.
Por exemplo, paralelamente ao percurso habitual desde que o produto chega até sair embalado em tabuleiros, há outro trajecto exclusivo para as linhas aéreas dos Emirados Árabes Unidos. Os pratos são decididos pelas companhias e na Emirates a comida é Halal. Os fornecedores são certificados, as linhas de produção não se misturam, nem os instrumentos e materiais envolvidos. Na zona de recepção dos produtos, uma das portas está marcada com um letreiro Halal. O mesmo acontece com os frigoríficos, as salas, os espaços e a saída até aos camiões que transportam a comida para os aviões.
Concorrência Mário Matos, da administração da Cateringpor, explica que nos últimos anos, com o aparecimento das lowcost, "a aposta continua a ser nos voos de longo curso e particularmente na classe executiva". Apesar de tudo, o administrador refere que as refeições continuam a ser diferenciadoras das companhias. Mário Matos explica que entre as muitas regras daqueles contratos está a obrigatoriedade de os clientes "poderem realizar auditorias quando quiserem, assim como a Caterinpor, que também pode fazê-lo junto dos fornecedores". Relativamente à segurança, acrescenta que "há um controlo tão rigoroso que cada lote tem uma referência que identifica quem teve acesso e a quê".
Apesar de todo o processo de controlo, Mário Matos reconhece que de vez em quando há queixas. Refere que em 2014, "para cada 100 mil refeições há uma média de 5,7 queixas". A maior parte diz respeito à rigidez, a demasiado sal, a cheiros, a bolor ou a cabelos. O administrador também refere que o processo de refrigeração e o aquecimento da comida a bordo é uma das principais preocupações, quer dos responsáveis pelo menus, quer das próprias companhias.
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